sábado, 29 de novembro de 2008

Pudesse eu

Nas ruas do Porto, minha fonte de inspiração, onde me perco entre os tumultos de gentes e o pregão das peixeiras.
O bulicío e a solidão, tanta gente, muitos tão sós...
Como a velhinha que no sinal vermelho, meteu conversa comigo, deixando cair a lágrima, pelos netos da minha idade não quererem saber dela... que relógio é esse que não nos dá tempo para nos escutarmos?
Numa esquina miudas da minha idade,mais novas talvez, vendem o corpo... que castelos de sonhos lhes restam?
E a senhora idosa com a perna ensaguentada, aquela hora da tarde ainda nada tinha comido e quase me cai aos pés quando desco Sá da Bandeira...
"-Deixe lá, é pobre, ela está sempre aí!" - disse-me outra senhora da paragem dos autocarros ao ver-me segurá-la pelos braços e sentá-la dentro da paragem para não apanhar chuva. Não trazia muito dinheiro na carteira, mas fui ao café e comprei-lhe um croissant e um galão num copo de plástico, e dei-lhe dinheiro para ir tratar daquela perna. Devorou-os.
Nunca na minha vida senti, uma mão apertar-me tão forte o braço, e as unhas quase que me cravaram na pele...e os olhos piedosos daquela mulher jamais esquecerei...
Quando cheguei a casa, como por magia, parecia que tinha mais do que o pouco que tinha gasto... Inexplicavel.
Que sociedade é esta, que se esquece dos seus idosos? Que egocentrimo é este?
Tanta miséria nas ruas... Mas a maior miséria se calhar não é desses pedintes cujas circunstancias da vida os resignou a essa vida...
A maior miséria é da alma, a do egoismo, a da indiferença, ao que se passa à nossa volta.
Janeiro e fevereiro de 2008, dias passados no IPO, com a minha madrinha...
Que lição e vida! Tantos dramas, crianças com cancro, familias desfeitas em dor...
Que justiça divina é esta?
Dia 5 de fevereiro de 2008, dia de carnaval, a minha madrinha morre aos 47 anos com cancro de mama... e com ela foi um muito de mim...
Coincidentemente para quem amava a vida e que sempre soube estar na vida, com verdade, intensidade e cheia de furor e alegria, despediu-se no dia de folia de carnaval...


Pudesse eu passageiro deambulante,
ter uma varinha mágica para dar mais brilho ao mundo
Pudesse eu, pôr um sorriso em todos os rostos,
pudesse eu...
Mas quem sou eu...

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